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sábado, 17 de outubro de 2009

O Gato em Portugal.


Prof. Doutor A. H. de Oliveira Marques

A história dos animais domésticos é um tema novo e difícil nos estudos da vida quotidiana. Têm de se utilizar muitas e variadas fontes: escritas, arqueológicas, etnográficas, etc. Viver acompanhado de animais foi sempre coisa tão banal que as crónicas e outros textos raramente falam deles. No entanto, os cães, os gatos, as aves e outros muitos animais merecem tanto a atenção do historiador como a alimentação, o vestuário ou a habitação.

O gato doméstico europeu parece ser de origem norte-africana ou, pelo menos, ter sido domesticado pelas civilizações do Norte de Áfri­ca. A partir do Egipto, onde era sagrado — até há múmias de gatos, que se podem ver nos museus —, entrou no mundo romano. Mas lentamente. Com o Cristianismo, deixou de ser sagrado mas continuou a ser útil como caçador de ratos num mundo infestado de rataria. Era remédio santo e necessário em todo o mosteiro, todo o castelo, todo o navio e, de uma maneira geral, toda a casa.

Em Portugal, o gato surgiu também com a romanização. No período muçul­mano foram descobertos esqueletos seus nas investigações arqueológicas realizadas em Silves. No Norte, há referências ao gato desde, pelo menos, o século XIII. Uma lei de 1 253 fixava o preço da sua pele, ao lado das peles de vitela, cordeiro, cabrito, gamo, raposa, lontra, marta e outros bichos. Era uma pele barata, valendo um terço da de raposa, já sem falar das peles de luxo como a de lontra ou de marta. Não se mencionavam peles de cão, o que mostra que o gato ainda não era considerado totalmente doméstico, ser­vindo também para comer e dar a sua pele ao homem. É possível que a expressão popular «vender gato por lebre» date destas épocas em que se comiam gatos como se comiam cordeiros ou coelhos, embora achando-os de pior qualidade.

O gato caçador e o gato do borralho são os mais recentes na tradição portuguesa.

Em pintu­ras do século XVI encontram-se gatos junto às lareiras ou sentados à porta das casas. Outros, aspectos do gato, o gato que arranha ou o gato que rouba, entraram também nos provérbios. E não se esqueça a expressão, «aqui há gato», para indicar qualquer falta ou engano. A maior parte de tais provérbios e expressões data-se dos séculos XVI, XVII e XVIII.

A perseguição ao gato por motivos religiosos ou supersticiosos também existiu. Muita gente acreditava que o gato era símbolo do mal e estava ligado à bruxaria e ao demónio. Por isso se sacrificaram gatos tal como, aliás, se queimaram e tortura­ram bruxas e feiticeiros. Os gatos pretos eram considera­dos os piores para trazer des­graça ou ma sorte...

Perseguidos ou acarinhados, o facto é que os gatos se iam multiplicando, sobretudo nas terras grandes onde abundavam as pessoas, a comida e os esconderijos. Nas Orde­nações Manuelinas, de começos do século XVI, proibia-se aos donos de gatos faleci­dos que os deitassem para a rua, onde empestavam o ar, de mistura com cadáveres de cães «e outras cousas sujas e fedorentas».

O gato entrou também nos nomes próprios e na heráldica. Como apelido sabe-se da existência de «Gatos» desde o século XIII (Afonso Pires Gato, natural de Baião). Nos séculos seguintes houve várias famílias nobres com o mesmo apelido. As armas respectivas incluíam, em fundo dourado, dois gatos azuis (um deles com um crescente na espádua). Nas artes aparecem, desde o século XVI, gatos esculpidos em madeira e em pedra, e desenhados em azulejos.

O gato teve mesmo as honras de herói literário. Por influência de textos publicados no estrangeiro, um poeta satírico, aliás de pouco mérito, João Jorge de Carvalho, redigiu e publicou a Gaticânea, ou Cruelíssima Guerra entre os Cães e os Gatos, decidida em uma sanguinolenta Batalha na grande Praça da Real Vila de Mafra.

A história narrada era simples. Um gato corpulento e agressivo travou-se de razões com um cão e levou a melhor. O cão foi queixar-se aos seus irmãos de raça. Seguiu um emissário a recrutar cães em todas as partes do mundo para restituir a honra ao humilhado cachorro. Os gatos, sabedores do que se passava, recrutaram, por sua vez, um poderoso exército combatente. Os milhares de bichos envolveram-se em san­grenta luta na praça fronteira ao convento de Mafra, triunfando os cães depois de muitas peripécias e altos e baixos.

A sátira de João Jorge de Carvalho permite chegar a algumas conclusões sobre o que se pensava acerca de cães e gatos no Portugal de então. O cão era, evidentemente, o mais nobre dos dois, e a ele cabia triunfar. O gato tomava-se, geralmente, por ladrão e ingrato, organizado em «quadrilhas» que roubavam quanto podiam nas cozinhas e nas despen­sas. Foi aliás um roubo de um belo pedaço de carne, na cozinha do autor, que esteve na origem do próprio poema.

A Gaticânea permite ainda conhecer nomes de gatos domésticos no Portugal desse tipo: o Ministro, o Remeirinhal, o Pardinho, o Malhado, o Amarelinho, o Caçador e o Derrabado, quase todos alusivos ao aspecto físico ou aos atributos do bichano.

O interesse pelos gatos e a sua gradual transformação em companheiros do homem continuaram nos séculos seguintes, apreciando-se cada vez mais as suas qualidades de independência e de facilidade de criação. Mas já no século XVII havia quem dissesse: «casa sem gato nem cão é casa de velhaco ou ladrão».

[Texto retirado do livro História e Geografia de Portugal do 5º Ano - Texto Editora]

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